Não sei se já contei para vocês o quanto meu pai gosta de conversar. Não queria ser repetitiva, mas essa característica é fundamental para se entender por que ele sempre se envolve nesses casos surreais. Como tudo é esquisito na história, onde e quando aconteceu não têm mais importância. Recordo-me apenas que foi em algum lugar da orla de Salvador. Tomemos o Jardim de Alah como referência, talvez durante o entardecer soteropolitano.
Por motivos também inexplicáveis, tivemos de parar o carro. Meu pai desceu e logo, como não é raro, alguém falou com ele.
– Oh! Como vai?! Quanto tempo!
– Oh! Tudo bem, tudo bem! Como vão as coisas?!
A alegria era recíproca. Apertos de mãos para lá, abraços para cá. Amigos de infância, certamente.
– Rapaz, quanto tempo eu não lhe vejo! Continua lá?
– Continuo, continuo... – repetia meu pai.
– Eu já saí. Tive uns problemas na família... Meu irmão... Muito doente, sabe como é, né?
– Ô, meu amigo, foi mesmo? Que lástima! Mas e agora como estão as coisas?
– Hum... Acho que não tem jeito não. Mas a vida é assim, idas e vindas...
Do lado de dentro do carro, minha mãe, meus irmãos e eu observávamos tudo com curiosidade. Afinal, quem seria aquele que provocava tanta alegria e comoção ao mesmo tempo. Seriam amigos do trabalho? Talvez um primo distante ou algum bancário. É, algum bancário também poderia ser, são os grandes amigos de meu pai. Bom, finalmente, pareciam se despedir.
– Pois é, bom lhe ver. Um abração na família – disse o homem que aparentava a mesma idade de meu pai. Fez um sinal para minha mãe, que impaciente no banco da frente retribuiu com um aceno discreto característico dela.
– O prazer foi meu, amigão. Tudo de bom para você e força, muita força com seu irmão.
Meu pai entrou no carro ainda consternado. Balançou a cabeça, fez um tisk-tisk com a língua nos dentes e fechou a porta com calma. Saberíamos em mais alguns instantes quem seria o amigão misterioso.
– Na vida tem coisas terríveis! O irmão daquele homem... Doente, muito
doente... Uma pena... Deveria ser tão jovem...
– Mas o que ele tinha, afinal? – perguntou minha mãe.
– Não sei.
– Por que ele contou isso? – continuou.
– Ele estava falando sobre a vida e aí deve ter se lembrado do irmão.
– E quem é esse seu amigo?
– Não sei.
– Você não sabe o nome do seu amigo?
– Não.
– Mas Antônio, o homem foi tão simpático e você esquece o nome dele?
– Não esqueci, eu não sei mesmo.
– Como não? Ficaram conversando horas, batendo-papo. De onde você o
conhece?
– Não conheço.
– Como ficou conversando tanto tempo com um homem que não conhece? – disse minha mãe um pouco exasperada, enquanto meus irmãos e eu acompanhávamos curiosíssimos o final daquele diálogo.
– Ele falou comigo.
– Eu percebi – disse minha mãe.
– Não quis desapontá-lo, dizendo que não o conhecia – respondeu ele, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
Ah! Claro. Entendemos! Ele não quis desapontá-lo! Por que será que
ainda nos surpreendemos com essas atitudes? Já deveríamos estar acostumados. Com todos em silêncio, ele ligou o carro e fomos para casa frustrados.
5 de out. de 2008
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Um comentário:
Essa do encontro é a que mais gosto.
Me lembro de outra, a história das enfermeiras da Beneficência, coloque aí.
Bjbj
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