12 de out. de 2008

O caso da farinha

Se meu pai pudesse, nos daria o mundo de presente. Um para cada um. Não podíamos pensar em querer nada que ele começava a repetir:
– Não se preocupe, seu pai ver isso para você, filha! E assim era comigo e meus irmãos Sérgio e Cíntia.

O “quando puder” dele era só um vício na frase, porque mesmo quando não podia ele dava um jeito. Era assim com tudo: das porcarias que as crianças enchem o saco para comer à grana para viagens, contas de cartão de crédito e outras esparrelas financeiras que os jovens normalmente se metem. Se fosse brinde então, era uma novela. Tuuuuudo que davam a ele tinha de ser em trio.

– Tenho três filhos: Sérgio, Mirela e Cíntia, não posso levar só um; não tem mais dois? E lá ia o gerente do banco, a moça da promoção em supermercado, a recepcionista de lojas, seja quem fosse, atrás de mais dois qualquer coisa para satisfazê-lo.

Uma noite, já morando em São Paulo, liguei para ele:
– Oi pai, tudo bem?
–Tudo minha filha, sua mãe é que tá sentindo uma dorzinha, sua “vó” continua com aquela encheção, Maria José chorando por tudo, Raimunda que só pensa em dinheiro, Sérgio e Cíntia na rua...

E depois de uns cinco minutos transmitindo o jornal familiar, ele me pergunta:
– E aí, tudo bem com você? – No que eu respondi com uma voz meio dramática, sem me dar conta da mobilização que iria criar:
– Ah pai, aconteceu uma tragédia.
– Ô minha filha, o que foi? – Disse ele já afobado pela resposta.
– Acabou a farinha – respondi em tom de pilhéria.
– Mas minha filha, isso é muito sério, vamos dar um jeito nisso – disse ele, já envolvendo minha mãe na conversa.
– Marante, filha, acabou a farinha de Mirelinha, temos de tomar providências.

Eu ouvindo do outro lado, achava graça dele se preocupar com tudo que houvesse conosco. Parecia ter nascido só para ser pai!

Mas, enfim, desligamos. No dia seguinte saí cedo para trabalhar. Quando voltei para casa, à noite, estacionei o carro e subi direto sem passar na portaria. Antes mesmo de entrar, o porteiro, carinhosamente chamado de “O Velhinho” interfonava sem parar. Ao atender ele me disse que tinha uma encomenda para mim.

– Sedex 10. Gastou bastante essa encomenda, porque está bem pesada! –repetia “o Velhinho”, louco para que eu abrisse a caixa ali mesmo. Dei risada e atendi aos seus apelos de curiosidade.

Comecei a abrir a caixa ali mesmo enquanto ele não tirava os olhos morrendo de ansiedade. Li que estava endereçado a mim e que o remetente era assinado por minha mãe. O que seria? Pensei em alguma data especial, algum presente como ela já havia mandado antes, mas nada demais me ocorreu. Pelo peso, talvez fosse alguns livros que não tinha trazido ainda para São Paulo.

– Que difícil isso, quer que eu ajude? – insistia ”O Velhinho” impaciente.

Depois de alguns minutos tentando arrancar todos os lacres e adesivos restantes, qual não foi a minha surpresa quando abri a caixa e me deparo com nada mais nada menos do que quatro quilos de farinha de copioba! Realmente nada tem graça sem ela. E acabava ali, sob as gargalhadas minha e do “Velhinho” a grande tragédia da minha vida.

Nenhum comentário: