14 de fev. de 2009

A perseguição I

– Corre Antonio, corre que levaram o menino!
Foi assim, aos berros, que minha mãe da varanda da casa de minha avó avisou a meu pai que o guardador da rua com quem ele vivia brigando tinha sido levado por uns homens em uma Kombi.

Enquanto ele pegava a chave do carro e descia as escadas, ela ia dando mais detalhes do que tinha visto: “Era uma Kombi, Antonio, com o nome de uma associação de guardadores de carro (pois é, isso existe!), com pelo menos três pessoas dentro!”.

O mês era de Carnaval, tempo de guerra entre os “loteadores” do espaço urbano de Salvador. Deixar o carro estacionado em uma rua estratégica da Barra como a da casa de minha avó significava deixar dinheiro com esses elementos ou arriscar-se a ter o carro detonado, provavelmente por eles mesmos.

Mas voltando a vaca fria, meu pai saiu em diligência em socorro de Boca de Caçapa, como era conhecido aquele adolescente que também era um sério candidato a “elemento”. Mas até então, porém, ele se virava com uns bicos de lavador de carro para os moradores da rua.

Com o Opalão ligado, meu pai traçava a estratégia de perseguição. Primeiro imaginando qual direção os marginais tomaram:

– Pela orla eles não iriam, porque o tumulto era grande, pela passagem do Shopping Barra não fazia sentido, então só sobravam os caminhos da Avenida Centenário ou do Jardim Apipema – contou ele mesmo depois, explicando que optou pela Centenário onde como conseguiu interceptar a Kombi (o interceptar é palavra dele!).

Daí para frente o que se seguiu foi mais uma situação inacreditável em que meu pai se metia. Depois de identificar e ultrapassar carro, ele “fechou” a Kombi, parando bem na frente e fazendo com que dois dos caras descessem dispostos a tudo. Um deles carregava uma arma e foi se aproximando com cara de poucos amigos. Meu pai, por sua vez, com sua bermudinha de fim de semana e seu mocassim de passeio apressava-se em puxar uma carteira do bolso da camisa, onde guardava os documentos. Quase que esfregando na cara de um dos sujeitos, ele começou o discurso:

– Podem soltar o menino, ele é meu conhecido, meu amigo lá da rua e vocês não vão levar ele a lugar nenhum! – bradava sem medir conseqüências.

Mesmo sem ver exatamente que carteira era aquela, o elemento se conteve e baixou a guarda.

– Ele estava tumultuando na rua, não está cadastrado, não pode ficar ali.

– E quem são vocês para dizer o que ele pode ou não pode fazer, que associação é essa?! A rua é pública, as pessoas pagam impostos, não precisa de ninguém tomar conta de nada, isso chama-se exploração! E vamos acabar com isso. Desce daí Boca de Caçapa, “vumbóra”! – disse meu pai, guardando a sua carteira de reservista do Exército, mais antiga do que o rascunho da Bíblia, porém, sempre inexplicavelmente eficaz.

Os caras, agora três fora do carro, não disseram uma palavra. Ouviram meu pai argumentar que o que eles estavam fazendo contrariava a “ética até mesmo da bandidagem” e que ali, na área do prédio onde morava minha avó não tinha “esse negócio, não!”. Ele morava no local há mais de 30 anos, a rua era dos moradores e o “menino” podia ficar onde quisesse. Ele certamente não se lembrou das diversas vezes que ameaçou a criatura a sair dali sob o risco de lhe dar umas porradas pelos motivos mais simples: ficar sentado no muro do prédio, gastar muita água para lavar o carro, estar com cara de sono...

O rapaz, que na época deveria ter uns 15 ou 16 anos, desceu na Kombi sem dizer uma palavra. Assustado ainda com o que estava acontecendo, ele não se dava conta de que, no mínimo, aqueles caras estavam levando ele para lhe dar um cacete e deixá-lo sabe-se lá Deus aonde.

Meu pai, que apesar de demonstrar tanta segurança, estava como ele mesmo diria, com o cu na mão, se incumbiu de agarrar o rapaz pelo braço, colocá-lo dentro do Opalão e sair antes que os caras saíssem do estado de transe por conta da conversa de meu pai.

A salvo, de volta a rua da casa de minha avó, o rapaz desce do carro e nem pode agradecer, porque com todos ao redor dele, começa a ouvir um sermão de meu pai.

– Você estava pensando que estava indo aonde, hein? Passear, é, idiota? Como é que te mandam entrar em um carro desse jeito e você entra? "Tá" pensando que é trio-elétrico? Passa e você vai atrás?Eu vi você lá com os esses braçinhos abertos pensando que ia para uma festinha. Estava imaginando o que? Eles iam era dar fim em você, abestalhado!

– Calma, Antonio, pedia minha mãe aliviada com a volta do rapaz, assim como a minha avó, que detestava uma confusão.

– E quer saber de uma coisa, suma daqui, viu, senão eu mesmo é que vou dar um fim em você! – dizia meu pai, no fundo, no fundo, aliviado que nada de ruim tinha acontecido com o rapaz.