16 de out. de 2008

O desaparecimento

Era comum. Meu pai sempre foi um homem de sumiços. “Vou ali”, era uma de suas frases mais rotineiras. E o ali, às vezes, era demais. Exemplos? Vamos lá: sair de casa à meia noite para dirigir 38 km de estrada e ir ao hotel-fazenda que meu avô tinha para ter uma conversa séria com Zinho, o gerente; ou para ser solidário com o faxineiro do prédio que morava do outro lado da cidade e perdeu o ônibus porque ficou de amasso com a emprega do apartamento que não vem ao caso dizer o número. Coisas desse naipe.

Os sumiços nunca demoravam tanto tempo. E quando isso poderia acontecer, ele ligava para avisar – dava um esporro na gente porque o telefone estava sempre ocupado – e depois de cinco minutos de reclamação dizia que iria chegar mais tarde. Mas, dessa vez, tudo estava muito esquisito. Ele tinha saído de casa logo após o almoço. Disse o seu tradicional “Vou ali” e fim de rastro.

O tempo passava e nada de meu pai. “Que estranho!”, dizia minha mãe com sua tranqüilidade de sempre. O receio era de algum acidente, problema com o carro, violência etc, porque de amantes ela não tinha com o que se preocupar mesmo! Se ele tivesse alguma, não agüentaria guardar segredo.

Por coincidência alguém desceu até a garagem e viu o Opalão por lá. Então ele tinha saído a pé, o que gerou mais nervoso. "
Cadê Antonio, minha gente?”, agora sim minha mãe estava realmente alarmada. Meus irmãos, Raimunda, dona Olga, a zeladora, todos tentando imaginar onde ele poderia ter ido.

E foi nesse clima de desespero, com todo mundo quebrando a cabeça, pensando no pior que meu pai aparece. Ele abriu a porta e, desolado, cabisbaixo e muito desanimado, mal cumprimentou a família.

– Pelo amor de Deus, Antonio, onde você estava, homem? – perguntou minha mãe muito nervosa.
– Perdi, pessoal, perdi. Olhe, dureza! – disse ele, aporrinhado.
– Estava na venda de Pedro jogando um dominozinho e perdi para Dinossauro.

Dinossauro? Dominó? Desde quando ele se reunia em vendas, e provavelmente de cachaça, para jogar dominó? Ninguém sabia responder e nem tiveram palavras para perguntar. Atônitos só ouviram ele terminar de explicar com um certo ar reflexivo:
– Mas também, ele é campeão da liga baiana de dominó! Pensando bem, foi uma disputa bem bonita.

Um comentário:

LINGUA DIRETA - Luiz Sarti disse...

Idéia ótima a de contar o cotidiano da familia. Coisas que facilmente se perdem, mas podem ser guardadas e acionadas quando quizermos, como as coisas que guardamos na memória, só que aqui, no blog, acionadas por outros além de ti.