23 de nov. de 2008

As meias e os cristais

Vai saber o que deu na cabeça da minha irmã naquele dia. Nem me lembro quantos anos ela tinha, mas já aprontava. E também, sabe-se lá como, ela sempre se safava.

Acabávamos de chegar da escola. Era um dia de aula de Educação Física, o que significava que estávamos grudando de tanto suor, com roupas sujas e sapatos com terra por tudo quanto é lado. Normalmente na aula jogávamos baleado, praticávamos corrida e saíamos do Colégio Antônio Vieira, como meu pai diria, “em petição de miséria”.

Mas não é que chegando em casa deu na cabeça de Cíntia de colocar as meias sujas, marrons de tanta terra, na cristaleira da minha avó! E lá elas ficaram sabe-se lá quanto tempo. O fato é que um belo dia minha avó Edith abre aquele treco. Nem sei por que, pois aqueles copos só eram usados em dias especiais.

– Mirela e Cíntia, venham aqui já! – Iiih! Pensei eu, o que fizemos? Não me lembrava de ter quebrado nada nem ter deixado nenhuma roupa espalhada ou luzes acessas, comida no prato... Correndo pela casa para atendê-la prontamente, deparamos com uma cara nada acolhedora.

É preciso dizer que assim como carinhosa e cuidadosa conosco, minha avó também era uma mulher muito disciplinadora, rígida, que gostava de tudo nos seus devidos lugares. Da mesma forma como estava sempre nos beijando, coçando as nossas costas, acariciando as nossas cabeças, nos dando a benção antes de dormir, ela também era daquelas que exigia respeito, mantinha horários, queria tudo em ordem e não admitia molecagens sérias. E pulando na frente dela depois de chegarmos correndo, ouvimos:

– Escuta aqui suas molequinhas, quem foi que colocou essas meias aqui dentro? – Disse ela com as provas do crime na mão com um cheiro de carniça ainda forte saindo do armário. E foi tentando imaginar como aquelas meias foram parar ali que ouvi minha irmã com a cara mais limpa do mundo responder apontando para mim:

– Foi Mirela, minha “vó”!

Eu fiquei tão chocada com a acusação, com a minha irmã e aquele sorrisinho só dela quanto sabia que estava aprontando, que eu mesma comecei a rir de nervoso. Nem deu tempo de olhar para minha avó novamente quando já fui sendo acusada novamente:

– Ah, então foi você, sua moleca!!!

– Eu não “vó”, não fui eu!!! – Repetia eu indignada, mas sem conseguir conter o riso. Ao mesmo tempo, eu olhava para minha irmã que sabia que estava fazendo uma molecagem, olhando para mim com a maior cara de safada e gostando de ver o que ela mesma armou.

– Foi você sim, se está rindo é porque foi você! – Dizia minha avó, meio abaixada para me olhar bem nos olhos e me repreender.

Nem lembro o que aconteceu depois. Só recordo da carinha de moleca de Cíntia, com os cabelos desgrenhados e aquele meio sorriso de quem causou o incêndio e foi para a praia.

Os anos passaram e ainda antes de minha avó morrer relembrei a história e tentei mais uma vez "limpar a minha honra", no que ela me respondeu com algo assim:

– Eu sei lá, minha gente, quem é que colocou nada ali! Vocês aprontavam sempre, deveriam estar juntas nisso!

E eu, novamente sem conseguir me conter, simplesmente ri.

2 comentários:

Mitsuko disse...

E o que vem a ser exatamente "baleado" no idioma paulista?

untitled disse...

Que gostoso! Eu lembrei tanto da minha infância lendo esse texto. Adorei, Mi.